O Brasil e o complexo de vira lata

Um dos maiores legados que o presidente Lula deixou para o país foi, sem dúvidas, o aumento da auto estima do nosso povo e também o orgulho de ser brasileiro. 

Isso ocorreu porque Lula colocou o Brasil em outro patamar de inserção no mundo, de forma soberana e não subalterna como fizeram os que sempre haviam governado o país. 

Mas ainda tem gente com complexo de vira lata, em particular a nossa classe média (não digo da nova classe média, mas a nossa “tradicional” classe média). O texto abaixo é do Rodrigo Vianna que está cobrindo as olimpíadas em Londres e trata desta questão. Recomendo a leitura.

 

Ah, isso só no Brasil mesmo…

 

por Rodrigo Vianna

Claro que Londres tem um belíssimo sistema de transporte público, com metrô cobrindo toda a cidade. E claro que Londres reserva espaço para as bicicletas, em meio ao trânsito de carros que é – sim – quase tão caótico como o das grandes cidades brasileiras…

Mas Londres – que deve fazer uma belíssima (e, pasmem, ensolarada) Olimpíada – também tem seus problemas. Cheguei na última quinta-feira por aqui. Vi obras que ainda não estão prontas, e muitas falhas na sinalização para chegar (de carro ou metrô) ao Parque Olimpíco, onde fica o centro de imprensa. Mais que isso: os voluntários, que deveriam ajudar quem vem de fora, são muito simpáticos mas muitas vezes não sabem indicar o caminho. Mandam a gente prum lado, depois pro outro. E, no final, a gente tem é que se virar sozinho.

Nada demais. Não tira pedaço. E no segundo ou terceiro dia, todo mundo já está sabendo como se deslocar pela cidade.

Mas, ah se fosse no Brasil…

No embarque no aeroporto, ainda em São Paulo, eu estava ao lado de um veterano jornalista, experiente em coberturas esportivas internacionais. Na fila do passaporte, ele comentava comigo: “não aguento mais esses brasileiros que, diante de qualquer probleminha, saem dizendo – ah, esse é o país que quer fazer Copa e Olimpíada…”. E não é que dois minutos depois, a fila parou e, advinhem –  alguém soltou exatamente essa frase… “Esse é o país que quer fazer a Copa…”

Pois bem, nessa terça-feira os taxistas ingleses fizeram um protesto na London Bridge. É mais ou menos como se os taxistas do Rio parassem o acesso ao Pão de Açúcar. Foi uma tremenda confusão. Os taxistas londrinos estão bravos por causa das faixas exclusivas para ônibus e veículos credenciados nas Olimpíadas. Os taxistas londrinos queriam ter o direito de andar nessas faixas, e dizem que elas foram mal planejadas… A imprensa inglesa cobriu o protesto, claro. Mas ninguém saiu dizendo: “que vergonha, a Inglaterra mostra que não tem condição de organizar uma Olimpíada…”.

Hoje, entre uma matéria e outra, dei uma escapada rumo à Foyles – belíssima livraria na Charing Cross… Pra chegar até lá, tive que desviar de uma obra gigante, bem ao lado da estação de metrô em Tottenham Court Road. Um caos: poeira, marteladas e tapumes travando o caminho.

Duas quadras depois, outra obra inacabada na praça principal do bairro do Soho. Os turistas passavam por ali, em meio aos andaimes, e os ingleses se refestelavam na grama pra curtir o solzinho que finalmente brilhou. Mal comparando, é como se na véspera da Olimpíada do Rio a praça Nossa Senhora da Paz em Ipanema estivesse cercada por obras. De novo, ninguém sai por Londres dizendo: “esse país é uma vergonha, não consegue terminar as obras a tempo…”.

Na Foyles, a tal livraria, encontrei um simpático brasileiro trabalhando na cafeteria. E foi ele que me falou: “essas obras inacabadas, se fossem no Brasil, estavam derrubando ministro e governador…”

Não sei se chegaria a tanto. Mas sei que podemos aprender algumas coisas com os ingleses. Uma delas é que não se faz um evento do tamanho de uma Copa ou de uma Olimpíada, sem cometer alguns erros.

Precisamos, sim, melhorar os aeroportos e nossa rede de transporte público para os grandes eventos esportivos. Isso é inegável. Mas muita calma nessa hora. Chega desse papo furado de “isso, só no Brasil mesmo…”.

Ah, falando nisso, há uma coisa que NÃO devemos aprender com os ingleses: jogar os clientes pra fora do restaurante às 11 da noite (não estou falando dos pubs, mas de restaurantes mesmo). Dia desses, depois de levar uma porta na cara em mais um restaurante que estava aberto, mas já com a cozinha fechada, resolvi perguntar pro garçom espanhol: será que nas Olimpíadas eles não vão esticar um pouco os horários pra atender a demanda de tantos turistas e do povo que veio trabalhar no evento? O espanhol sorriu apenas… E respondeu, numa mistura de castelhano e inglês: “eles aqui na Inglaterra não mudam as coisas para agradar quem chega de fora; o mundo é que precisa se adaptar a eles…”

Quem será que está certo? Os ingleses, ou a turma do “ah, isso só no Brasil mesmo”?

Deixo a resposta pra vocês. Agora, chega de conversa. Vou tomar uma cerveja quente ali no pub, antes que feche….

Não precisamos do Senado

Detalhe do mural do plenário da Assembléia Nacional do Equador, país que aboliu o Senado com a nova Constituição

A Folha de S. Paulo publica na edição de hoje artigo, de Rudá Ricci, no qual discute a pertinência ou não na manutenção do Senado Federal.

Há muito que sou contra ao nosso sistema bicameral, fui convencido pelo professor Fábio Konder Comparato em suas aulas na Escola de Governo. Numa república federativa como a nossa, o Senado seria a Casa dos Estados, que deveria tratar sobre (e apenas) assuntos federativos, como por exemplo o caso da divisão dos royalties do pré-sal – como cita o artigo abaixo – no entanto, em nosso Senado, vota-se tudo o que se vota na Câmara e vice e versa, portanto, não faz o menor sentido a manutenção de duas casas. Este é um debate que deveria aparecer com força na discussão sobre a reforma política.

 

A pertinência do Senado

Um senador, segundo levantamento da ONG Transparência Brasil, custa R$ 33,4 milhões anuais aos cofres públicos. Por seu turno, um deputado federal custa R$ 6,6 milhões anuais. São dados que, por si, já remetem à dúvida sobre a existência de duas casas parlamentares.

A justificativa para a existência do Senado é que ele compensaria a discrepância, na Câmara, entre as bancadas de cada Estado, que são, dentro de um piso e um teto de deputados, proporcionais à população.

Ele serviria, portanto, para equilibrar o poder dos Estados. Ocorre que temas afetos ao equilíbrio entre entes federativos, como a guerra fiscal, a reforma tributária, a dívida pública dos Estados com a União ou a partilha dos royalties de commodities extraídos (petróleo e minérios) são na prática negociados diretamente entre governadores e governo federal.

Assim, um dos argumentos centrais que justificariam o sistema bicameral não tem um fundamento democrático e funcional claro em nosso país.

A grande inspiração para a existência de um Senado são os EUA, que no século 18 viviam uma crise de representatividade do sul do país, região em que o índice populacional era baixo (em função da escravidão). A solução formal foi a criação do Senado, equilibrando a representação territorial na casa parlamentar.

O Senado brasileiro, porém, foi criado, escreveu o jurista Dalmo Dallari, para representar as oligarquias rurais brasileiras. Em suas palavras: “O Senado aparece com a Constituição de 1824, e uma das condições para ser senador era ter uma renda anual altíssima, que na ocasião foi expressa em 800 mil réis, uma grande fortuna. (…) Desde o início, o Senado brasileiro foi concebido e foi usado como um reduto dos grandes proprietários.”

Desde a sua fundação, portanto, o papel do Senado não foi servir ao equilíbrio de poder entre os entes de Federação, mas sim servir a interesses particulares.

Uma frase proferida pelo ex-senador Demóstenes Torres, momentos antes de sua cassação, mostra que isso pouco mudou: “Os senhores sabem (…) que [se] pessoas aqui na Casa quiserem fazer rolo, espaço há”.

O único continente onde o sistema bicameral é mais frequente que o unicameral é o americano. Na Oceania, 85% dos países adotam o sistema unicameral. Na África, 59% dos países adotam este sistema, assim como 57% dos países da Ásia.

No planeta, a cada dois países que adotam o sistema bicameral, outros três países empregam o sistema unicameral. Na Europa, o índice chega a 64% e envolve grande parte dos países nórdicos, que apresentam sabido equilíbrio social e rigidez nos gastos com parlamentares: Suécia, Islândia, Dinamarca, Finlândia.

A Noruega possui um sistema peculiar, onde a câmara única (Storting) é composta por uma divisão (Lagting e Odeisting). A lista envolve ainda Portugal, Nova Zelândia, Israel, Peru, entre outros.

Demóstenes Torres, como se percebe, apesar de ter sido o segundo senador cassado por falta de decoro parlamentar na história de 188 anos do Senado, acabou oferecendo mais um argumento para colocar em dúvida a necessidade da Câmara Alta em nosso país. Seu caso foi, assim, duplamente exemplar.

RUDÁ RICCI, 49, doutor em ciências sociais, é diretor-geral do Instituto Cultiva e autor de “Lulismo” (editora Contraponto/Fundação Astrojildo Pereira)

 

Fonte: publicado na Folha de S. Paulo de 24/07/2012